Mudança de turno deixa trabalhadores predispostos a comer mais, ganhar peso e desenvolver síndrome metabólica.
Um
novo estudo realizado por cientistas brasileiros sugere que
trabalhadores noturnos apresentam alterações em funções hormonais que
podem deixá-los predispostos a comer mais, ganhar peso e desenvolver
síndrome metabólica - um conjunto de fatores de risco cardiovascular que
inclui hiperglicemia, hipertensão arterial, obesidade e aumento da
circunferência da cintura.
A literatura científica internacional
já demonstrava que os trabalhadores noturnos têm mais tendência ao ganho
de peso, além de maior risco de apresentar doenças cardiovasculares e
outros indicadores de síndrome metabólica.
Mudanças de
comportamentos alimentares associadas ao trabalho noturno - incluindo
aumento do valor calórico e variações no horário e número de refeições -
têm sido apontadas como a mais provável explicação para esse fenômeno.
Estudando
os mecanismos biológicos que poderiam estar por trás das mudanças
comportamentais, um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp) descobriu que os trabalhadores noturnos apresentam
alterações em funções hormonais estomacais que regulam a saciação - a
sensação de estar satisfeito após a refeição -, o que pode levar ao
ganho de peso.
O estudo foi coordenado por Bruno Geloneze Neto,
da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. “Nossa conclusão é que a
função hormonal estomacal de regulação da saciação sofre alteração nas
pessoas que trabalham à noite”, disse Geloneze.
De acordo com Geloneze, o estudo foi realizado com
um grupo de 24 mulheres, sendo 12 trabalhadoras do turno da noite e 12
trabalhadoras do turno do dia do Hospital das Clínicas da Unicamp. Todas
elas tinham índice de massa corpórea entre 25 e 35.
“Estudamos os mecanismos hormonais ligados à
saciação e não as diferenças comportamentais. Tomamos o cuidado de
trabalhar apenas com pessoas do mesmo sexo, com padrões semelhantes de
peso, de atividade física e de condição socioeconômica e cultural, a fim
de observar as diferenças relacionadas à variável do turno de
trabalho”, disse Geloneze.
Segundo Geloneze, a literatura
internacional aponta que os trabalhadores noturnos têm mais riscos de
ganhar peso e desenvolver doenças cardiovasculares, associando esse
fenômeno a um aumento do consumo calórico.
Mas, até agora, os
estudos não haviam desvendado se esse aumento ocorria devido ao estresse
causado pela quebra do ritmo biológico ocasionada pela vigília no
período noturno ou por um fator de ordem puramente comportamental: como
se a falta de estímulos no período noturno levasse a pessoa a comer mais
- o que os cientistas suspeitam ser um mito.
“Fomos investigar
um aspecto sobre o qual não há dados na literatura: como se comportam os
hormônios gastrointestinais que controlam a fome e a saciação. Alguns
estudos mostram que existe uma alteração nos níveis de leptina - um
hormônio relacionado ao grau de adiposidade - nos trabalhadores
noturnos. Mas não se sabia se a leptina se alterava como consequência do
ganho de peso ou se era sua causa”, explicou.
As voluntárias
foram submetidas a um teste de alimentação padrão, que consiste na
ingestão de 515 calorias, com uma dieta hiperproteica e hiperlipídica.
As trabalhadoras noturnas foram testadas durante o dia, em jornadas de
folga. As trabalhadoras diurnas foram testadas no horário normal.
“Depois
da alimentação, estudamos por três horas a produção de insulina e de
três hormônios GLP-1 e PY-B36 - ambos com ação anorexígena -, de
grelina, um hormônio produzido no estômago e que estimula a fome, e de
xenina, hormônio que inibe a fome”, declarou.
No padrão normal de
alimentação, pouco antes da refeição, os níveis de grelina se
apresentam altos, enquanto os outros três hormônios apresentam níveis
baixos. Depois da refeição, por um período de três horas, o GLP-1,
PY-B36 e xenina aumentam e a grelina é reduzida.
“Nos indivíduos
que trabalham à noite, os padrões de GLP-1 e de PY-B36 se apresentavam
semelhantes ao das trabalhadoras diurnas. Mas identificamos uma
alteração na produção de grelina entre as trabalhadoras noturnas”,
disse.
Normalmente, segundo Geloneze, após a refeição a
produção de grelina cai abaixo dos níveis basais. Entre as trabalhadoras
noturnas, não houve supressão da grelina depois da alimentação.
“Outra
diferença que observamos ocorreu em relação à xenina. Esse hormônio
normalmente aumenta após a refeição, contribuindo para a saciação. Mas
nas mulheres que trabalham à noite a produção de xenina não subiu”,
disse o pesquisador.
Do ponto de vista clínico, houve uma diferença
discreta na quantidade de calorias ingeridas, de cerca de 10%. As
trabalhadoras noturnas, apesar de terem o mesmo padrão de índice de
massa corpórea das outras, tinham também um pouco mais de concentração
de gordura no abdome.
“Quando falamos de tratamento da obesidade,
precisamos levar em conta que as condições das pessoas são muito
heterogêneas e uma abordagem terapêutica única pode ser ineficiente.
Agora sabemos que para os trabalhadores noturnos seria preciso ter
terapias focadas nesses mecanismos subjacentes, como, por exemplo,
drogas que modulem a produção de xenina e grelina”, afirmou.
Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,alteracao-hormonal-provoca-ganho-de-peso-em-trabalhadores-noturnos,789691,0.htm