Guta Chaves, especial para o iG São Paulo
Slow Food defende refeições demoradas e tranquilas e a valorização de ingredientes regionais
“Propomos a vacina de uma adequada porção de prazeres sensuais garantidos, a ser utilizada em lento e prolongado deleite.” Extraída do manifesto do Slow Food, de 1989, a frase é um convite a sentar e comer em paz, sozinho ou junto de pessoas queridas, consciente de cada garfada.
Criado nos anos 80 na cidade italiana de Bra, pelo sociólogo Carlo Petrini, o conceito do Slow Food vai além de saborear os alimentos sem pressa. O termo define uma associação internacional de defesa e apoio à cultura de comidas e bebidas tradicionais de uma região. Entre seus objetivos estão o resgate e a valorização da produção artesanal e ecologicamente correta, das receitas e dos ingredientes típicos e, ainda, o convívio e a consciência a respeito do que é consumido.
Pensar na comida e fazer a refeição com tranqüilidade, sem calcular obsessivamente as calorias ou o tempo até o próximo compromisso, parece algo bem distante da rotina de muita gente. Mas foi justamente ao combater a alimentação industrializada e rápida que o Slow Food ganhou músculos.
Um episódio é emblemático para ilustrar os primeiros passos do movimento. Em 1986, na Praça da Espanha, referência cultural e um dos principais pontos turísticos de Roma, foi inaugurada uma loja da rede McDonald’s. Esperava-se o alvoroço costumeiro, como acontecia em muitos locais do planeta tomados pela teia do fast food. Mas, surpresa, boa parte do povo italiano ficou ofendido. Teve início ali uma série de protestos em defesa da cultura gastronômica do país e contra a comida rápida e industrializada. Foi nesse contexto que Carlo Petrini fundou o Slow Food, na tentativa de defender as raízes culturais e nutricionais.
Quando se fala em sentar-se à mesa para apreciar receitas tradicionais, a idéia é de uma atmosfera tranquila. Vêm à tona lembranças familiares e pratos que fazem parte tanto da memória sensorial quanto da cultura de uma região. A tradição culinária de uma localidade, passada de geração em geração, faz parte do patrimônio intangível de um povo e é um dos pontos principais do Slow Food. E a filosofia do lento caramujo se espalha rapidamente.
Slow Food no Brasil
Hoje a associação está presente em 122 países e conta com mais de 80 000 associados. Alimentos típicos são “guardados” por um projeto chamado Arca do Gosto – um catálogo mundial que identifica produtos ameaçados de extinção, mas ainda com potencial produtivo e possibilidades reais de comercialização. A intenção é documentar alimentos importantes cultural e gastronomicamente. Já se integram à arca 750 itens de dezenas de países.
No Brasil, o primeiro membro da Arca do Gosto foi o bastão de guaraná dos índios Sateré-Mawé, em 2002. Recentemente foram abarcados o berbigão, a cagaita, o cambuci, o licuri, a mangaba, a ostra de Cananeia e o pequi. Até o momento, estão listados 21 produtos brasileiros.
Outro projeto da associação são as Fortalezas. Funciona assim: a partir da seleção feita para a Arca do Gosto são definidos ingredientes que o Slow Food vai trabalhar junto aos produtores artesanais, para ajudar no desenvolvimento local, no padrão de qualidade e na garantia de sua viabilidade futura. No fim da cadeia produtiva, a Fortaleza ainda busca a colocação destes produtos no mercado. Os brasileiros umbu da região de Uauá (sertão baiano) e palmito da palmeira juçara, produzido pelos índios guaranis do litoral norte de São Paulo, estão entre os contemplados. Junto com o feijão canapu, da região de Picos, no Piauí. Veja outros componentes.
A agenda do caramujo
A associação Slow Food, em parceria com organizações afins, promove a discussão sobre produtos que merecem ser preservados, por meio de palestras, degustações e visitas a produtores. Isso acontece no mundo todo. Neste mês, Brasília sedia o encontro Terra Madre Brasil, entre os dias 19 e 22, no Complexo Cultural da Funarte. Segundo os organizadores, Carlo Petrini, fundador do movimento, deve participar da programação que inclui atrações abertas ao público e outras voltadas para associados.
O Terra Madre Brasil é o braço brasileiro de uma rede mundial integrada ao Slow Food, a Rede Terra Madre.
Outros eventos do Slow Food pelo mundo
Salone del Gusto: de 21 a 25 de outubro de 2010, em Torino (Itália)
Cheese (Festival Internacional de Produtores Artesanais de Queijo): 2011, em Bra (Itália)
Aux Origines du Goût (As Origens do Gosto, Festival Internacional de Alimentos): 2011, em Montpellier (França)
Slow Fish (Festival de Pesca Sustentável): 2011, em Gênova (Itália)